Você já observou seu filho, aluno ou familiar autista mergulhar tão profundamente em uma atividade que parece se “desligar” do mundo? Essa concentração intensa, que pode durar horas, tem um nome: hiperfoco.
Longe de ser apenas um grande interesse, ele é uma característica central do funcionamento neurológico no Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Compreender o hiperfoco é o primeiro passo para transformar um potencial desafio em uma poderosa ferramenta de desenvolvimento.
Neste artigo vamos abordar todos os pontos essenciais para entender e aprender a lidar com essa característica de forma mais assertiva e cuidadosa. Boa leitura.
O que é hiperfoco e como ele se manifesta no autismo?
O hiperfoco é um estado de absorção mental tão intenso em um tema ou atividade que a pessoa se torna temporariamente alheia ao seu entorno. Ele se manifesta através de um envolvimento profundo e prolongado, que pode incluir:
- Conhecimento profundo sobre temas muito específicos (dinossauros, planetas, regras de jogos, etc.).
- Perda da noção de tempo, levando a pular refeições ou noites de sono.
- Repetição de atividades para aprimoramento ou pelo conforto da previsibilidade.
Diferença entre hiperfoco e concentração intensa
Embora pareçam semelhantes, a diferença é crucial. A concentração intensa é voluntária e flexível; uma pessoa neurotípica consegue desviar a atenção se algo importante acontecer. Já o hiperfoco no autismo é mais rígido.
A dificuldade não é em manter o foco, mas sim em desviá-lo. É uma imersão difícil de interromper, mesmo diante de necessidades básicas ou chamados externos.
Por que o hiperfoco acontece: causas e fatores envolvidos
O hiperfoco não é uma escolha, mas uma consequência da neurobiologia autista.
As causas incluem:
- Funcionamento executivo: diferenças no cérebro autista podem fazer com que o controle da atenção seja direcionado massivamente para um único ponto de grande interesse.
- Regulação sensorial: em um mundo que pode ser sensorialmente caótico, focar intensamente em um tema previsível funciona como um refúgio seguro, que acalma e organiza a mente.
- Sistema de recompensa: a imersão em um interesse especial libera dopamina (neurotransmissor do prazer), reforçando o ciclo de concentração.
Como identificar sinais de hiperfoco em crianças e adultos
Identificar os sinais é fundamental para oferecer o suporte correto.
Em crianças e adolescentes:
- Períodos prolongados dedicados a uma única brincadeira ou tema.
- Resistência extrema para mudar de atividade, mesmo para algo que gostem.
- Dificuldade em responder quando são chamados durante esses momentos de imersão.
- Falam exaustivamente sobre seu tema de interesse, com riqueza de detalhes.
Em adultos:
- Perda de noção de compromissos e horários importantes.
- Padrões de sono e alimentação irregulares devido à imersão em projetos ou hobbies.
- Dificuldade em alternar entre tarefas no trabalho.
- Tendência a se aprofundar em um hobby ou área de estudo de forma muito intensa.
Quando o hiperfoco é positivo e quando pode causar prejuízos
Essa característica pode apresentar pontos positivos e pontos negativos no comportamento da pessoa autista, alguns deles são:
- Aspectos positivos: pode levar ao desenvolvimento de habilidades excepcionais, gerar profundo prazer e calma, e até mesmo se tornar uma carreira de sucesso.
- Prejuízos: quando não gerenciado, pode levar à negligência com a saúde (alimentação, sono), dificuldades em áreas acadêmicas fora do seu interesse e, principalmente, ao isolamento.
Dificuldades associadas: isolamento, rigidez e frustração
As principais dificuldades que podem surgir do hiperfoco são:
- Isolamento: a pessoa pode priorizar seu interesse especial em detrimento de interações sociais e familiares.
- Rigidez cognitiva: a dificuldade em sair do estado de hiperfoco reflete uma rigidez no pensamento, tornando a adaptação a novas tarefas um grande desafio.
- Frustração intensa: ser forçado a interromper a atividade pode gerar crises de ansiedade, raiva ou angústia, pois a quebra do foco é extremamente desconfortável.
Como lidar com o hiperfoco em casa e na escola
O objetivo não é proibir, mas sim gerenciar esse comportamento com os devidos cuidados.
Em casa:
- Valide o interesse: reserve um tempo na rotina para a atividade de hiperfoco.
- Use timers e avisos: utilize alarmes visuais e avise com antecedência sobre as transições. (“Em 10 minutos, vamos jantar”).
- Negocie limites: estabeleça horários claros para o início e o fim da atividade.
Na escola:
- Incorpore o interesse: use o tema do hiperfoco para ensinar outras matérias (ex: problemas de matemática com personagens de jogos).
- Crie pausas estruturadas: permita pausas para que o aluno se engaje brevemente no seu interesse, ajudando na autorregulação.
- Use apoios visuais: quadros de rotina ajudam a tornar o dia mais previsível e as transições mais suaves.
Existe tratamento? como profissionais podem ajudar
É crucial entender: hiperfoco não é uma doença e, portanto, não tem “cura”. O apoio profissional visa desenvolver estratégias de como lidar com a característica. Alguns profissionais que podem ajudar nesse processo:
- Terapeutas ocupacionais (TOs): ajudam a criar rotinas, organizar o tempo e trabalhar a regulação sensorial para facilitar as transições.
- Psicólogos: trabalham a flexibilidade cognitiva e estratégias para lidar com a frustração.
- Psicopedagogos: auxiliam na adaptação de métodos de ensino que utilizem o hiperfoco como aliado.
Com compreensão, respeito e estratégias adequadas, o hiperfoco pode ser canalizado de uma forma que respeite a neurodiversidade e promova o desenvolvimento da pessoa autista.
Gostou do conteúdo? Leia também outros artigos no blog e aprofunde seus conhecimentos.