Quando vemos uma pessoa autista balançando as mãos, repetindo sons ou girando objetos, é comum surgirem dúvidas sobre o significado desses comportamentos. Chamado de estereotipia, esses movimentos não são meras “manias” ou hábitos aleatórios. Na verdade, são formas fundamentais de autorregulação, expressão e conforto para pessoas no espectro autista.
Neste artigo, vamos explicar o que é estereotipia, por que ela acontece, qual sua importância e por que sua repressão é prejudicial. Também abordaremos o impacto do preconceito e como escolas, famílias e sociedade podem colaborar para promover ambientes mais acolhedores.
O que é estereotipia e como ela se manifesta no autismo
A estereotipia é definida como um comportamento motor, vocal ou sensorial repetitivo, rítmico e, à primeira vista, sem função clara. Contudo, para a pessoa autista, ela cumpre um papel essencial.
Existem diferentes tipos de estereotipia:
- Motoras: balançar as mãos (flapping), girar sobre si mesmo, pular, andar na ponta dos pés, bater os pés.
- Vocais/verbal: repetir frases ou sons (ecolalia, palilalia), zumbidos ou trechos de músicas.
- Sensoriais: observar objetos em movimento, esfregar superfícies ou texturas específicas.
- Com objetos: alinhar brinquedos, girar rodinhas, manipular cordões de forma repetitiva.
Na comunidade autista, é comum o uso do termo “stimming” (do inglês self-stimulatory behavior), que enfatiza a função do comportamento a autoestimulação e não sua aparência externa.
Por que as estereotipias acontecem: autorregulação, estímulo e conforto
O cérebro autista processa os estímulos sensoriais de maneira diferente: às vezes de forma mais intensa (hipersensibilidade), outras vezes menos (hipossensibilidade). Diante disso, a estereotipia surge como uma ferramenta de equilíbrio.
Ela ajuda:
- Regular estímulos em ambientes caóticos (como lugares barulhentos ou iluminados demais);
- Fornecer estímulos sensoriais necessários em contextos monótonos;
- Gerar previsibilidade e segurança em um mundo que frequentemente parece confuso ou instável.
Ou seja, esses comportamentos reguladores são uma estratégia funcional, desenvolvida intuitivamente para lidar com o ambiente e com as emoções.
Função das estereotipias para a pessoa autista
As estereotipias têm várias funções vitais no cotidiano da pessoa autista:
- Expressar emoções: Nem sempre o stimming está ligado ao estresse. Muitas vezes, pular, balançar as mãos ou sorrir de forma intensa são formas genuínas de expressar alegria os chamados “happy stims”.
- Comunicação não-verbal: Para pessoas não-verbais ou com fala limitada, a estereotipia pode ser um dos poucos meios de mostrar desconforto, dor, sobrecarga ou felicidade.
- Organização cerebral: Estudos indicam que movimentos repetitivos podem se sincronizar com ritmos neurais, favorecendo a estabilidade mental e a organização do pensamento.
Ignorar ou tentar reprimir essas funções é desconsiderar uma parte fundamental da identidade e do bem-estar da pessoa autista.
Por que a estereotipia não deve ser reprimida
Reprimir a estereotipia não é uma prática neutra. Pelo contrário, pode ser altamente nociva. Ao impedir uma pessoa autista de realizar um comportamento de autorregulação, estamos removendo seu principal recurso para lidar com o mundo.
Isso gera:
- Aumento de estresse e ansiedade;
- Maior propensão a crises emocionais (meltdowns e shutdowns);
- Dificuldade de concentração, socialização e aprendizado.
É essencial entender que não se trata de “ensinar a se comportar”, mas sim de respeitar formas diferentes de estar no mundo.
Os riscos da tentativa de contenção
A tentativa de suprimir esse comportamento pode ter consequências graves, como:
- Masking (camuflagem social): Muitas pessoas autistas aprendem a esconder seus comportamentos naturais para se “encaixar”. Esse esforço constante é exaustivo e leva a um alto custo emocional.
- Burnout autista: A camuflagem prolongada pode resultar em esgotamento profundo, perda de habilidades, exaustão física e emocional.
- Crises neurológicas: Sem válvulas de escape como o stimming, o acúmulo de tensão pode levar a crises intensas de sobrecarga. São reações involuntárias do sistema nervoso.
Como lidar com o preconceito e promover inclusão
Grande parte da dificuldade em aceitar a estereotipia vem da falta de informação e do estigma social. Muitos ainda veem esses comportamentos como “estranhos” ou “inadequados”.
A mudança começa por uma pergunta simples:
O que essa pessoa está tentando comunicar?
Ao invés de julgar, precisamos aprender a observar, acolher e apoiar.
Educar a sociedade sobre o autismo e a função da estereotipia é um passo essencial para reduzir o preconceito e construir ambientes mais inclusivos.
O papel da escola, da família e da sociedade no acolhimento
Na família
O lar deve ser um lugar onde a pessoa autista possa ser ela mesma. É importante:
- Validar as emoções sem julgamento;
- Permitir o uso de objetos sensoriais;
- Criar espaços tranquilos para autorregulação.
Na escola
Educadores devem ser capacitados para lidar com a neurodiversidade. Algumas práticas incluem:
- Permitir pausas sensoriais e o uso de objetos que ajudam na concentração, como bolinhas de apertar ou brinquedos sensoriais;
- Evitar castigos por comportamentos como estereotipia;
- Adaptar o ambiente para reduzir estímulos excessivos.
Na sociedade
Campanhas de conscientização, treinamentos em empresas e mudanças culturais são fundamentais para:
- Normalizar a estereotipia em espaços públicos;
- Promover a empatia e o respeito;
- Valorizar a autenticidade em vez da normatização do comportamento.
Conclusão
A estereotipia no autismo não é algo que precisa ser corrigido, mas compreendido. É uma linguagem do corpo, um reflexo de emoções, uma ferramenta de equilíbrio. Reprimir esse comportamento é negar à pessoa autista o direito de existir plenamente como ela é.
Promover a aceitação desse comportamento é também apoiar a neurodiversidade, a empatia e o respeito às diferenças.
Nosso conteúdo foi útil? Confira outros artigos que podem te interessar no blog.