Para muitas famílias que convivem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), a ecolalia e a repetição de falas, frases ou sons é uma característica marcante e, muitas vezes, mal compreendida. Longe de ser um comportamento sem sentido, a ecolalia é uma forma complexa de comunicação e processamento que merece ser compreendida e acolhida.
Neste artigo, vamos explorar o universo da ecolalia de forma clara e empática, e oferecendo estratégias práticas para apoiar o desenvolvimento da comunicação em pessoas autistas. Boa leitura.
O que é ecolalia e como ela aparece no autismo?
A ecolalia é a repetição de vocalizações ouvidas anteriormente, como uma palavra, uma frase de um desenho ou uma pergunta que acabou de ser feita. Assim, enquanto a repetição é uma fase do desenvolvimento da linguagem em todas as crianças, no autismo ela pode persistir e ter funções muito específicas.
Essa característica não é um “defeito”, mas a manifestação de um processamento de linguagem diferente, muitas vezes chamado de “Gestalt”, onde se aprende em “blocos” de som.
Tipos de ecolalia e o que a ciência diz
Primeiramente, entender a intenção por trás da repetição, é crucial conhecer seus tipos:
- Ecolalia imediata: A repetição ocorre logo após a fala do interlocutor. Pode ser uma forma de ganhar tempo para processar a pergunta ou até mesmo significar “sim”.
- Ecolalia tardia: A repetição acontece horas ou dias depois de ter sido ouvida. A criança pode usar a fala de um personagem para expressar uma emoção semelhante, usando “scripts” memorizados para se comunicar.
- Ecolalia mitigada: Forma mais avançada, onde a frase repetida é modificada para se adaptar a um novo contexto, como mudar um pronome.
Um estudo de 2023 da revista Frontiers in Psychology, intitulado “Ecolalia funcional na fala autista: fórmulas verbais e enunciados prévios repetidos como estratégias comunicativas e cognitivas”, confirmou que essas repetições são estratégias sofisticadas.
A pesquisa revelou que a ecolalia é usada para afirmar, fazer pedidos, manter o fluxo de uma conversa e ensaiar a fala. Isso reforça a ideia de que devemos ver a ecolalia como um recurso, e não um déficit.
Causas da ecolalia: processamento e regulação
A ecolalia não é um comportamento aleatório. Sendo assim, suas raízes estão ligadas a como o cérebro autista processa o mundo:
- Dificuldades na compreensão: Repetir a frase funciona como um “marcador de posição”, dando ao cérebro tempo para decodificar o significado.
- Função de autorregulação: Em um mundo sensorialmente avassalador, repetir uma frase familiar (stimming verbal) pode ter um efeito calmante.
- Ferramenta de aprendizagem: É uma maneira de praticar sons e estruturas frasais, construindo um repertório para a comunicação.
Ecolalia como tentativa de se comunicar: o que isso revela?
Cada repetição é um ato de engajamento com o mundo, revelando um cérebro que tenta ativamente participar e se conectar.
- Revela intenção: Mostra que a pessoa está ouvindo e tentando se manter na interação social.
- Revela associação emocional: A ecolalia tardia, em especial, revela uma rica vida interior, conectando uma emoção passada a uma presente.
- Revela esforço cognitivo: É um esforço ativo para usar as ferramentas linguísticas disponíveis, usando “scripts” como pontes para a comunicação.
Por isso, entender isso muda o foco de “como parar a repetição?” para “o que você está tentando me dizer?”.
Impacto na comunicação e estratégias de apoio
O impacto da ecolalia na vida de uma pessoa autista depende diretamente da reação do ambiente.
Sendo assim, quando a repetição é mal interpretada como desinteresse ou falta de compreensão, ela pode criar barreiras na comunicação, gerando frustração e levando ao isolamento social.
Felizmente, ao entendermos a função por trás da repetição, podemos transformar esse desafio em uma oportunidade.
Como lidar com a ecolalia em casa e na escola
As estratégias a seguir são ferramentas práticas para minimizar os impactos negativos e usar a ecolalia como um ponto de partida para uma comunicação mais rica e funcional.
Em casa:
- Modele a linguagem: Em vez de perguntar “Quer suco?”, diga a frase que você gostaria que a criança usasse: “Quero suco, por favor”.
- Responda à função, não à forma: Se a criança repete “É hora de dormir?” bocejando, reconheça o cansaço: “Sim, você está com sono. Vamos para a cama”.
- Use apoios visuais: Cartões com imagens e quadros de rotina reduzem a pressão sobre a fala.
Na escola:
- Comunicação clara: Use linguagem literal e dê instruções curtas.
- Ambiente previsível: Crie um ambiente de baixo estresse, com rotinas escolares claras e atenção a gatilhos sensoriais.
- Modelagem com colegas: Peça a um colega para responder a uma pergunta primeiro, oferecendo um modelo claro.
Intervenções e o papel do apoio profissional
O fonoaudiólogo é o profissional mais indicado para avaliar e criar um plano terapêutico. Ou seja, o objetivo não é “curar” a ecolalia, mas aproveitar seu potencial. Por isso, abordagens como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), o Paradigma da Linguagem Natural (PLN) e a Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) são ferramentas poderosas para ensinar novas habilidades de forma funcional.
O papel da escuta, paciência e reforço positivo
Contudo, Apoiar uma pessoa com ecolalia é, acima de tudo, um convite à escuta.
- Escuta ativa: Vá além das palavras, observando o contexto e a linguagem corporal.
- Validação e reforço positivo: Valide cada tentativa de comunicação. Ao atender um pedido feito com ecolalia, a conexão entre a fala e o resultado é fortalecida.
- Validação emocional: Reconheça o sentimento por trás da repetição para construir segurança e conexão.
Portanto, ao mudarmos nossa perspectiva, transformamos a repetição em comunicação e encorajamos pessoas autistas a refinar sua voz única.
Esperamos que nosso conteúdo tenha sido útil. Descubra outros temas que podem te interessar no blog.