Autismo na adolescência: o que muda e como lidar

A adolescência é um tema que pode preocupar muitos pais e educadores, pois é uma fase cheia de descobertas e desafios.  O autismo na adolescência pode trazer desafios únicos que exigem compreensão aprofundada e estratégias de apoio específicas.

Compreender todo o contexto do autismo na adolescência é o primeiro passo para garantir que esses jovens recebam o suporte necessário para não apenas vivenciar, mas evoluir durante essa etapa crucial de suas vidas.

As mudanças universais da adolescência

A adolescência é conhecida como um período de novos desafios e profundas transformações, sustentadas por três pilares do desenvolvimento psicossocial:

  • Desenvolvimento do pensamento abstrato: É a transição de um raciocínio concreto para a capacidade de refletir sobre ideias complexas e não tangíveis, como moralidade, justiça e o futuro.
  • Busca por autonomia: Um processo gradual e, por vezes, turbulento, de se afastar da dependência parental para definir interesses, valores e hábitos próprios.
  • Construção da identidade: Considerada a tarefa mais crítica da fase, envolve formar um senso coeso de quem se é nos âmbitos moral, social, sexual e vocacional, muitas vezes através da exploração e experimentação.

Como o autismo se manifesta nesta fase

Para o adolescente autista, essas mudanças naturais funcionam como um “multiplicador de estresse”. As características do Transtorno do Espectro Autista (TEA) não desaparecem; elas evoluem e se manifestam de formas novas e, frequentemente, mais complexas.

No contexto do autismo na adolescência, a sofisticação das interações sociais, amizades mais sutis, interesses românticos e dinâmicas de grupo, torna os desafios na comunicação e interação social mais evidentes e socialmente penalizadores.

Para um jovem que já lida com rigidez cognitiva e sensibilidades sensoriais, a busca por autonomia se torna muito mais desafiadora.

Um fenômeno crucial aqui é a camuflagem social (masking), especialmente comum em meninas. Significa um esforço consciente ou inconsciente para mascarar traços autistas a fim de “se encaixar”.

Embora possa facilitar interações superficiais, a camuflagem é uma prática mentalmente exaustiva que, a longo prazo, pode levar ao esgotamento e a diversos prejuízos na saúde mental.

Identidade, pertencimento e a força da neurodiversidade

A construção da identidade é profundamente influenciada pela percepção de “ser diferente”. Essa sensação pode gerar sentimentos crônicos de solidão e não pertencimento, levando a uma busca desesperada por “normalização” que, muitas vezes, resulta em uma identidade baseada em vergonha e inadequação.

É aqui que o paradigma da neurodiversidade surge como uma ferramenta de empoderamento. Isso porque esse movimento sugere que o autismo na adolescência não é uma doença a ser curada, mas uma parte essencialmente valiosa da identidade de uma pessoa.

Ao ressignificar características autistas como diferenças em vez de déficits, a neurodiversidade promove o “orgulho autista” gera pertencimento e conecta o jovem a uma comunidade com experiências compartilhadas, combatendo o isolamento.

Questões sociais e emocionais: como lidar

O autismo na adolescência pode trazer grande dificuldade em identificar, nomear e gerir emoções, uma condição conhecida como alexitimia. Somada à hipersensibilidade sensorial, essa dificuldade pode levar a uma rápida desregulação, resultando em crises como:

  • Meltdowns: Explosões externas, como choro intenso, comportamentos agressivos, fruto de uma sobrecarga sensorial ou emocional insuportável.
  • Shutdowns: Desligamentos internos, onde o adolescente se torna quieto, apático ou incapaz de responder, como forma de proteção a sobrecarga.

O adolescente no espectro autista têm alto risco de desenvolvimento de comorbidades psiquiátricas. 

Estudos mostram que a depressão e a ansiedade são significativamente mais comuns em adolescentes com TEA, muitas vezes como consequência direta do desgaste mental causado pela camuflagem social.

A importância da comunicação e do espaço de escuta

Alguns comportamentos vistos como desafiadores ou “problemáticos”, na verdade são formas de tentar se comunicar, especialmente quando os métodos tradicionais não funcionam. Nesse sentido, a abordagem mais eficaz é adequar o termo “problemas de comportamento” para “problemas de comunicação”.

A Comunicação Aumentativa e Alternativa, ou CAA, é uma ferramenta muito importante para adolescentes que têm dificuldades na fala.

A implementação de sistemas de CAA, desde pranchas com figuras até aplicativos em tablets, pode ampliar drasticamente a capacidade do jovem de expressar suas necessidades, sentimentos e pensamentos, reduzindo frustrações e promovendo autonomia.

Dicas práticas para famílias e escolas

Para famílias:

  • Comunique-se de forma clara: Use linguagem direta, literal e objetiva. Evite sarcasmo e metáforas complexas.
  • Valide os sentimentos: Reconheça e dê nome às emoções, mesmo que a reação pareça desproporcional. Diga “Vejo que você está muito frustrado agora”.
  • Crie um santuário sensorial: Tenha um espaço tranquilo em casa para onde o adolescente possa ir para se regular. 
  • Apoie a função executiva: Ajude a dividir tarefas grandes em passos menores. Use calendários visuais, alarmes e listas de verificação para estruturar rotinas e reduzir a ansiedade.

Para escolas:

  • Conheça o aluno individualmente: Vá além do diagnóstico. Descubra seus interesses, hiperfocos, e o que o ajuda a se sentir seguro.
  • Adapte o ambiente e as instruções: Forneça instruções claras e segmentadas, com apoio visual. Permita o uso de ferramentas sensoriais e ofereça um local calmo para pausas.
  • Seja flexível nas avaliações: Considere métodos alternativos que valorizem o conhecimento do aluno, como trabalhos orais, ou projetos.
  • Implemente uma política de tolerância zero ao bullying: O bullying contra alunos autistas é comum e devastador. 

Conclusão

O autismo na adolescência é uma fase complexa, mas que como vimos tem um grande potencial de  desenvolvimento. Com compreensão, respeito, acomodações adequadas e uma rede de apoio que muda o foco da normalização para a capacitação, adolescentes autistas podem não apenas sobreviver a esta travessia, mas florescer com autonomia.

A colaboração  entre família, escola e profissionais de saúde é a rede que sustenta o desenvolvimento saudável do autismo na adolescência. Quando o apoio é oferecido através da lente da neurodiversidade, o objetivo não é a normalização, mas sim o florescimento da autenticidade.

Nosso conteúdo foi relevante? Confira outros temas em nosso blog

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp